segunda-feira, 30 de março de 2009



Um almoço à margem…
Acordar de manhã, pegar no carro e rumar a Lisboa. Uma auto-estrada de sol, verde e brisas perfumadas. Não fosse a mudança da hora e o cansaço dos últimos dias teria levantado mais cedo, começaria pela baixa. Um passeio a pé, Chiado abaixo rumo à fnac, desta vez para me tentar não perder outra vez e trazer apenas uma ou outra delícia, tesouro.
O domingo estava assim. Tejo sereno, ar limpo, céu azul.
O melhor lugar junto da esplanada, dentro, abrigada do vento frio. Uma salada, um sumo de laranja acabado de espremer, e dois dedos de conversa desinteressada e perfeitamente fútil para descansar o cérebro. Em standby.
Uma caminhada água fora e um fim de tarde dentro dos bairros de Lisboa, onde os desgraçados descansam ao sol, nos passeios, à espera de mais um “chuto”, ou quem sabe a desfrutar dele.
Não fosse isso e haveriam domingos perfeitos.
Daniel Nicoletta


Quanto vale uma vida de conforto a fazer de conta?

E quanto vale um dia, cru, nu, a ser, verdadeiramente? E
mais um, atrás do outro?

quinta-feira, 26 de março de 2009

SK - Mata do Pedrogão em 23 de Abril de 2006


… o que conta não é a manifestação do desejo, da tentativa amorosa. O que conta é o inferno da história única. Nada a substitui, nem uma segunda história. Nem a mentira. Nada. Quanto mais a provocamos, mais ela foge. Amar é amar alguém. Não há um múltiplo da vida que possa ser vivido. Todas as primeiras histórias de amor se quebram e depois é essa história que transportamos para as outras histórias. Quando se viveu um amor com alguém, fica-se marcado para sempre e depois transporta-se essa história de pessoa a pessoa. Nunca nos separamos dele.

Marguerite Duras em “Mundo Exterior”.


...devia estar a estudar, mas não estou, porque arranjo sempre outra coisa qualquer muito mais interessante para fazer do que aquilo que devia, geralmente daquelas que muitas vezes não tenho tempo para fazer. Sabe tão bem...

Revisito espaços de outros tempos. O texto é oportuno. Sempre foi, apesar da discussão que já surgiu em torno dele, da ideia, do contexto e da estrutura, durante muito tempo. Mas quem sabe de histórias únicas, de verdadeiras primeiras histórias, sabe do inferno.
Não há antidoto. Não se exclui, expele, ignora, esquece. Faz parte de nós. Camada.
Há apenas que deixar que a história tome conta de nós e encontre o seu lugar dentro, deixar que se arrume, em lugar próximo do centro. Sedimento.


E é bem verdade que se não for pela tentativa da história única, nem vale a pena dar um passo. E ela pode ter tanto de amargo quanto pode ter de doce...

quarta-feira, 25 de março de 2009

A Orquídea, do blog Nascidos do Mar, desafiou-me, e aqui estão as respostas.
Tenho de apontar para cada cenário, a mulher que escolheria para estar comigo:

Aquela que levaria para uma ilha deserta...
A Bette, a personagem da série L Word. É que para uma ilha deserta só mesmo alguém muito interessante e com muita bagagem para os dias e noites a fio sem ninguém ao largo.

Aquela que levaria para trás dos arbustos...
Eh pá! Desculpa lá Orquídea, mas eu não creio que levasse uma mulher para trás dos arbustos com tanto sítio interessante onde levar, certo?!

Aquela que gostaría de encontrar no elevador...
Não faço questão de encontrar alguém em especial, desde que bem cheirosa.

Aquela que gostaríamos de nos cantasse uma serenata...
Adriana Calcanhoto

Aquela que levaría para todo o lado, inclusive a jantar a casa dos pais, com quem gostaria de partilhar o sofá e levaria para a minha cama...
Ainda estou para descobrir essa mesma.

terça-feira, 24 de março de 2009




Somos Homens árvores-pontes, e estendemo-nos a partir do centro, em equilíbrio, esperando alcançar.
Um dia, quando menos esperamos, porque não esperamos nada, ou esperamos apenas que nada interfira no nosso caminho e nos perturbe, porque queremos permanecer sem pontes ou braças, em pousio, apenas crescendo para cima, para o sol, nasce-nos um rebento no tronco, frágil, tenro e verde. Ele cresce. O coração floresce.
É isso.
Esperamos chegar, aprofundar raízes, crescer, partilhar, fortalecer, permanecer.
E é assim que um dia conhecemos um lugar próximo dos sonhos, um lugar familiar, aquele que sempre sentimos necessário, sem o qual nada faz sentido, aquele que sentimos nosso, onde queremos ir e ficar.
Nasce-nos uma ponte, cresce. Uma ponte onde chegar.
Nasce-nos uma braça que se estende além, ao lado, para captar ao comprido a energia da luz solar e deixar a seiva correr até às raízes.
E assim, um dia, todo o nosso centro de gravidade se altera e começa a deixar-nos pender.

Somos construtores de pontes. Sabemos pouco de engenharia do coração, mas sabemos que uma ponte liga duas margens, se lança e sustem a partir de um lado apenas até certo limite, o do equilíbrio.

E há um dia em que nos questionamos até onde conseguiremos crescer, suportar a pendente sem perder o equilíbrio. O dia em que precisamos de perceber se temos do outro lado onde pousar. Perceber se a braça comprida que estendemos aguentará o peso ou se vai rasgar junto ao peito, e dividir-nos em dois.

E por vezes num dia percebemos que não há onde chegar, que vamos cair, e sustemo-nos com toda a força. Cortamo-nos a partir de fora, diminuindo o peso, aumentando a distância.
Levantamos as braças, sustentamos as pontes.

Doemos e saramos. O centro de gravidade voltará ao lugar antigo.

Um dia eu hei-de construir uma ponte e encontra-te a meio do caminho. Nesse dia deitarei fora todos os projectos e cuidarei apenas.
É para isso que somos construtores de pontes, jardineiros de árvores: para, a partir de um certo dia, cuidar.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Preocupa-me que alguém veja isto e não ache nada de mal. Até ache piada.
Das duas, uma: ou vive noutro mundo e não lê jornais, não olha para o lado e o mundo, definitivamente, passa-lhe ao lado, ou então eu não pertenço, de facto, a este país, porque quem está mal, obviamente, muda-se, e assim eu terei de me mudar para um país com o qual me identifique, com os valores do seu povo.

quarta-feira, 18 de março de 2009

.
.
Dei por mim agora a beber vitaminha C efervescente já "morta" como quem bebe um Favaios, à noitinha, antes de ir dormir... e hoje ao fim do dia, só bebi cerveja Sagres...

Pelo andar da carruagem, os Planetas não tarda nada vão começar a rodar ao contrário.
.
.

domingo, 15 de março de 2009




Poema para habitar

A casa desabitada que nós somos
pede que a venham habitar,
que lhe abram as portas e as janelas
e deixem passear o vento pelos corredores.
Que lhe limpem os vidros da alma
e ponham a flutuar as cortinas do sangue
– até que uma aurora simples nos visite
com o seu corpo de sol desgrenhado e quente.
Até que uma flor de incêndio rompa
o solo das lágrimas carbonizadas e férteis.
Até que as palavras de pedra que arrancamos da língua
sejam aproveitadas para apedrejarmos a morte.

Albano Martins

sábado, 14 de março de 2009



eu vou saber esperar

a maré

o estender da onda as mãos

o encontro dos meus olhos nos teus



quarta-feira, 11 de março de 2009

M.C. Escher - Relativity



Entre teimosia e estupidez vai uma grande distância, mas desta vez, estupidez com as letras todas, sílaba a sílaba.
Eu e a minha mania da responsabilidade social para com os desgraçados que trabalham connosco, mais a responsabilidade acrescida daqueles que têm maior poder decisório, porque com mais poder vem mais responsabilidade e nós temos o dever de nos preocupar e debruçar sobre os problemas das pessoas, o dever de os resolver em vez de “chutarmos para canto”… este foi o meu discurso há 5 meses atrás quando tomei a decisão de puxar para a minha beira uma funcionária que há anos, entre os “diz que disse” e os factos consumados, e os pontapés de serviço em serviço, o mais recôndito possível, tinha, é certo, no mínimo, um grande problema/distúrbio psicológico.

E assim, no primeiro dia das minhas novas funções o meu primeiro problema foi: - o que fazer com aquela criatura? com um historial que tem quase de tudo.
Pois esta cabeça iluminada “embicou” que havia de resolver o problema… porque temos de integrar estas pessoas em vez de os “segregar”e coisa e tal, dar-lhes uma segunda oportunidade, uma que nunca tiveram e que a sociedade nunca lhes deu, porque o que as pessoas precisam de sentir é que fazem parte da sociedade e a pouco e pouco vão-se adaptando, para melhor…

Já aqui... junte-se uma pessoa desequilibrada, com uma grande falta de educação, falta de respeito pelo outro e com uma personalidade forte, com outra, com uma estrutura emocional e psicológica débil, uma personalidade muito fraca e submissa, e garanto que é uma das misturas mais explosivas que conheço, para os outros ,especialmente aqueles com alguma sanidade mental. É tipo o homem maléfico e a máquina demolidora.

Cinco meses depois, e depois de muita confusão, um local de trabalho agradável, onde as pessoas sempre se trataram com respeito e cordialidade está agora à beira de um ataque de nervos, e quando não, à beira de uma baixa psiquiatria em massa, por depressão.

E assim, hoje fiz a minha primeira transferência “à lá minute” ou “à má fila”, uma "segregação" instantânea que me deixa envergonhada.
Para trás ficam os escombros de uma catástrofe que não chegou a acontecer (mas esteve quase). Por pura estupidez, ignorância e infantilidade.
Pensar que se pode mudar uma pessoa com 50 anos, psicótica, proporcionando-lhe um ambiente de trabalho saudável e cordial...

Resta-me segurar o que ficou de pé e mimar aquela gente, rezar para que a coisa volte ao normal em pouco tempo, e o resto do problema, com uma ponta de estupidez, porque a criatura continua a ser um problema, agora, onde está, com menos efeito de contaminação, mas ainda assim um problema na mão…
Por um lado não quero "descartar-me" mas por outro parece não haver alternativa senão "descartar-me"...
Dias dificeis.

Manuel Alvarez Bravo


Temos tanto e tanto medo de naufragar, de nos deixar ir, entrar dentro de uma qualquer ilusão de lugar que não é, tal é o ruído, de fazer um caminho que não tem onde chegar.
Passamos as horas a apanhar papeis. Quando chegamos ao fim do dia, sentamo-nos, de corpo vazio.
Somos altivos. Não nos tocamos. Bombeamos o sangue apenas na medida do necessário. Não deixamos os músculos ganharem força. Não libertamos. Por fim temos medo que a frieza do corpo enrijecido possa contaminar-nos, congelar o sangue e provocar-nos a morte.
Às vezes pergunto-me se não teremos já morrido.

segunda-feira, 9 de março de 2009



Mar, Mar e Mar

Tu perguntas, e eu não sei,
eu também não sei o que é o mar.

É talvez uma lágrima caída dos meus olhos
ao reler uma carta, quando é de noite.
Os teus dentes, talvez os teus dentes,
miúdos, brancos dentes, sejam o mar,
um mar pequeno e frágil,
afável, diáfano,
no entanto sem música.

É evidente que minha mãe me chama
quando uma onda e outra onda e outra
desfaz o seu corpo contra o meu corpo.
Então o mar é carícia,
luz molhada onde desperta
meu coração recente.

Às vezes o mar é uma figura branca
cintilando entre os rochedos.
Não sei se fita a água
ou se procura
um beijo entre conchas transparentes.

Não, o mar não é nardo nem açucena.
É um adolescente morto
de lábios abertos aos lábios da espuma.
É sangue,
sangue onde outra luz se esconde
para amar outra luz sobre as areias.

Um pedaço de lua insiste,
insiste e sobe lenta arrastando a noite.
Os cabelos de minha mãe desprendem-se,
espalham-se na água,
alisados por uma brisa
que nasce exactamente no meu coração.
O mar volta a ser pequeno e meu,
anémona perfeita, abrindo nos meus dedos.

Eu também não sei o que é o mar.
Aguardo a madrugada, impaciente,
os pés descalços na areia.

Eugénio de Andrade

domingo, 8 de março de 2009




Fecho os olhos e registo a topografia da tua pele. Procuro uma curva perfeita para pousar a cabeça e o corpo e não sentir dor.



É tempo de flores e pólen, do vento sereno e ligeiramente aquecido atravessando as braças que acabam em pequenas e delgadas agulhas, dos sons aqui e ali sustendo o cantar das aves, do desabrochar das flores dos pinheiros bravos que pintam de ouro o verde majestático do pinhal. É tempo dos tojos amarelos e das urzes explodirem em cor, dos primeiros raios de sol a queimar a pele branca.
Um e outro pequeno milagre.

domingo, 1 de março de 2009


Benjamin Button...


A coberto de uma falsa ilusão de envelhecimento/juventude, os sentimentos afloram à superfície da pele, à flor do peito: O ser-se.
Ser-se diferente, porque somos afinal todos diferentes, uns mais do que outros, e ainda assim tabelamo-nos todos pelo mesmo, por baixo. Fazemos esforços inimagináveis para sermos iguais, sem compreendermos que o verdadeiro mistério e riqueza das nossas vidas está na diferença e na capacidade de a entendermos, de a aceitarmos, de a absorvermos, fazermos dela parte integrante das nossas vidas. Que a maior magnificência da nossa breve existência reside na capacidade de nos compreendermos e complementarmos.
Compreendermos que os outros se olham com os seus próprios olhos, tal como nós nos olhamos com os nossos, e que é preciso que compreendamos, aceitemos, porque cada um é como é, e cada um merece respeito pelo que é, debaixo da pele, à superfície da pele, mas acima de tudo, dentro.
A diferença perece assustar-nos... a nós cabe-nos ultrapassar o medo.

Estamos todos sós. Uns saberão melhor que outros. Mas estamos. Há porém quem esteja melhor acompanhado, menos só, o suficiente para não sentir frio, para não deixar cair um véu de escuridão sobre o caminho, para que, partilhando, caminhe de mão dada, sabendo-nos ali, ao lado do outro, sabendo-os ali, ao nosso lado, e assim, noa sintamos menos assustados, sabendo-nos mais fortes, fortes o suficiente para derrubar o medo.

Todos temos/sentimos ausência. Temos vazios sem que percebamos que, muito do que nos falta reside fora, é algo vivo, e está no outro, que se abeira, que se dá, que recebemos, a quem nos entregamos, com quem partilhamos. Que o verdadeiro assombro da existência reside na capacidade de partilha, no cuidar, fazer crescer.

Um filme a fazer-nos lembrar a riqueza que está em ser-se genuíno e simples, e tão extraordinariamente puro, tão extraordinariamente compreensível e bom, e Homem, no sentido pleno de Humanidade, e não ter medo de o ser. Um filme a fazer-nos lembrar o quanto é difícil sê-lo, o quanto temos medo de sermos plenos de sentidos, e verdadeiros, e o quanto é importante ser perseverante.

Uma história de Amor, do Acreditar, do ter Fé, do cuidar, do estar incondicionalmente e fazer da vida do outro, que é nossa também, O caminho, um caminho para a felicidade, a verdadeira, que se há-de auto-alimentar. E por vezes sentimos tanto medo do amor…
Uma história a fazer-nos lembrar que temos de ser fortes e lutar contra o que nos assusta, aproveitando aquilo que nos é dado, porque talvez nada seja dado ao acaso. A querer fazer-nos recordar que aqui e agora é o tempo que nos é oferecido, para viver, e ninguém sabe como será amanhã, e que pouco mais é importante do que o agora.

Uma história sobre o auto-conhecimento, o entender-se o verdadeiro significado da vida, da nossa vida, do caminho.
O compreender-se enquanto indivíduo, a descoberto de qualquer aparência e do acessório e não ter medo de pisar o mato, o caminho, fazer o trilho, o mais certo, o que nos trouxer mais plenitude, mesmo que difícil.


Um filme sobre o ser-se Humano, sobre a importância das nossas escolhas, a lembrar-nos, permanentemente que, aquilo realmente importante somos nós, e nós somos como somos, e que somos nós que fazemos acontecer.
Um filme sobre o quão importante somos, mas apenas se medirmos a partir de nós até ao outro e do outro até nós. A lembrar que gosto de mim, que gosto de ti, que amar é uma bênção e que somos nós que decidimos o que queremos fazer com o que temos para dar, com o tempo que nos resta. Que o destino é apenas um, igual para todos, e a nós só nos é dado a escolher a forma como vamos lá chegar, que nos cabe a nós decidi-lo.


É um filme sobre tanto que eu poderia ficar aqui a escrever sobre um sem número de aspectos, sentimentos que me percorreram a derme e me fizeram rir e chorar, alternadamente, tantas vezes, de tão simples e tão puro. Mas tão extraordinariamente belo que até dói.