Já era tardíssimo para pensar objectivamente no que lhe dizer. Tinham combinado passar uns dias juntos e conversar muito seriamente sobre se valeria a pena continuarem com aquela relação. Ela vinha no comboio das nove: meia hora antes já ele estava na estação, com um raminho de miosótis meio amassados e com um medo terrível de não a conseguir fazer sorrir. Ele julgava-se um dos homens mais confusos do mundo, mais vacilantes. Um desencanto com pernas. E ela parecia afastar-se mais um pouco em cada lua nova, cada vez mais exigente e menos satisfeita: os violinos da separação timbravam-lhe os gestos, cada vez mais ásperos. Houve dias em que a ternura era uma maravilhosa praga de gafanhotos, aos pulos por todo o corpo, a devastar todas as dúvidas que bloqueavam o tango.
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Noutras alturas maior era a queda. Ela não imaginava um futuro para os dois, ele imaginava futuros muito improváveis e impingia-lhe uma data de sonhos em segunda mão. Ele era quase crédulo e de vontade fraca, ela fingia-se forte e capaz de raciocinar sobre os factos, o que é próprio das pessoas fortes.
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JP Simões (contos) e André Carrilho (ilustrações), em O Vírus da Vida - Applefeiçoador Integral em embalagens de duas doses diárias, da editora Sextante.
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2 comentários:
Fabuloso! ;)
"Houve dias em que a ternura era uma maravilhosa praga de gafanhotos, aos pulos por todo o corpo..."
de facto, é uma imagem fantástica :)
muito embora os gafanhotos me arrepiem... ;)
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