sábado, 26 de abril de 2008



Quero dormir o sono das maçãs,
afastar-me do tumultuar dos cemitérios.
Quero dormir o sono do menino
que queria cortar o coração no alto mar.

Não quero que me repitam que os mortos não perdem o sangue,
que a boca podre continua a pedir água.
Não quero conhecer os martírios que a erva dá,
nem a lua com boca de serpente
que trabalha antes do amanhecer.

Quero dormir um pouco,
um pouco, um minuto, um século,
mas todos saibam que não morri ainda,
que há um estábulo de oiro nos meus lábios,
que sou o pequeno amigo vento do Oeste,
que sou a imensa sombra de minhas lágrimas.

De madrugada, cobre-me com um véu,
porque me lançará punhados de formigas,
e molha com água dura meus sapatos
para que resvale a pinça de seu lacrau.


porque quero dormir o sono das maçãs
para aprender um pranto que me limpe de terra,
porque quero viver com o menino escuro
que queria cortar o coração no alto mar.

Frederico Garcia Lorca

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