Por este dias insisto num caminho novo, teimosamente, a ver se me consigo levar a algum lado. É verdade que me sinto só, mas penso que deve ser normal. Faço-me vaguear por caminhos que já percorri com outro encanto, outra vida, difícil de descobrir. Sinto falta.
Na verdade, sinto-me morrer todos os dias.
Não é assim tão mau, penso eu, porque toda a gente vai morrendo todos os dias, mesmo que não sintam. O que é importante é resistir e sobreviver.
Passo o tempo a desvalorizar a pobreza que me rodeia e faz parte de mim, a tornar lógico algo para o qual não consigo encontrar explicação palpável, solução ou remédio. Vivo com objectos velhos e gastos. Já não lhes sinto o sentido.
Sinto-me só neste caminho para um fim incerto.
Penso que tenho de passar por isso. Penso que me basta o que tenho, e que tenho muito mais que muita gente alguma vez terá.
Sinto que o que tenho não me preenche, e pouco ou nada tenho dentro, construo e faço crescer. Que destrui, que reduzi a cinzas, como se tivesse deitado fogo a uma floresta e hoje não restasse mais nada que uma paisagem lunar.
Os dias são cinzentos, ou então, embrulhados em tantas coisas fúteis que nem tempo tenho para lhes ver a cor, lhes respirar o ar, lhes sorver a luz, e sorrir, fazer sorrir.
Inverti todos os valores, sem perceber que certas coisas não se conseguem levar contra a maré, contra vontade, contrariando as fundações e os alicerces, os pulmões e o sentido do sangue nas veias.
Não consegui inverter o sentido do sangue nas veias...
Choro.
Provoquei demasiada dor.
...e o sangue ainda segue o seu sentido.
Não penso nada. Não consigo pensar com esta dor fina no estômago e o gasganete a sufocar-me.
Espero que venha a noite para dormir, afogar-me no vazio, na escuridão, no analgésico para a dor que é o sono.
Amanhã levantar-me-ei, vestirei a personagem do dia-a-dia, todos os acessórios que me fazem parecer colorida e voltarei aos dias cinzentos.
No final, terá perecido mais um dia. Terei feito nada. Minuto a minuto conquistarei o dia, matarei todas as horas até ao fim.
Sou tão um instrumento…
Tento contrariar.
Talvez nem tudo se contrarie, não seja possível contrariar a tudo.
Hoje penso: por quanto mais tempo me manterei sóbria. Quanto tempo mais resistirei à loucura…
Apenas porque o mundo anda às avessas e eu perdi-me o rasto.
Só isso.
Não é grave. Pelo menos achei a ponta do fio.
Robert e Shana ParkeHarrison - Low Tide