terça-feira, 3 de julho de 2007
segunda-feira, 2 de julho de 2007
Silêncio
Silêncio
de salgueiro
sobre um braço de água parada,
silêncio
de nuvens imóveis,
silêncio
de caminhos intransitivos.
Solidão
de relvas de outono,
solidão
de pássaro sobre o pântano,
solidão
de datas insaciáveis.
Dor
de sol ensanguentado,
dor
de luz na penumbra,
dor
do não-vivido.
Ivan Minatti
.
.
I'm dead. inside.
.
or…
maybe not dead,
but death it self
domingo, 1 de julho de 2007
You say: Maiakovski again????
And I say: Why not?!
So... really? why not?!
O POETA-OPERÁRIO
Grita-se ao poeta:
"Queria-te ver numa fábrica!
O quê? Versos? Pura bobagem".
Talvez ninguém como nós
ponha tanto coração
no trabalho.
Eu sou uma fábrica.
E se chaminés
me faltam
talvez seja preciso
ainda mais coragem.
Sei.
Frases vazias não agradam.
Quando serrais madeira
é para fazer lenha.
E nós que somos
senão entalhadores a esculpir
a tora da cabeça humana?
Certamente que a pesca é coisa respeitável.
Atira-se a rede e quem sabe?
Pega-se um esturjão!
Mas o trabalho do poeta
é muito mais difícil.
Pescamos gente viva e não peixes.
Penoso é trabalhar nos altos-fornos
onde se tempera o ferro em brasa.
Mas pode alguém
acusar-nos de ociosos?
Nós polimos as almas
com a lixa do verso.
Quem vale mais:
o poeta ou o técnico
que produz comodidades?
Ambos!
Os corações também são motores.
A alma é poderosa força motriz.
Somos iguais.
Camaradas dentro da massa operária.
Proletários do corpo e do espírito.
Somente unidos,
somente juntos remoçaremos o mundo,
fá-lo-emos marchar num ritmo célere.
Diante da vaga de palavras
levantemos um dique!
Mãos à obra!
O trabalho é vivo e novo!
Com os oradores vazios, fora!
Moinho com eles!
Com a água de seus discursos
que façam mover-se a mó!
Vladimir Maiakovski
Pois é...! Cada um vai como pode, como sabe, e cada um chega somo melhor souber, poder, conseguir. Importante mesmo é chegar, inteira, e reconhecer que a diversidade e a autenticidade nos torna mais ricas e mais fortes. Reconhecer que independentemente daqueles que nos querem "normalizar" e fazer crer que somos "impróprias", importante é lutar contra aquilo que nos querem fazer crer que devemos ser.
E enfim... por aí fora. Dá para perceber a mensagem, certo?!
sábado, 30 de junho de 2007
.
querer dizer isto, querer dizer aquilo, e dizer nada
já um poeta escreveu sobre isto… acho
quero dizer: saudade. mas não sei
sinto
e ainda assim nada alivia o peso, nada preenche o buraco, nem há sequer um tampão para as horas em que penso, um tampão para o pensamento, um tampão para o sonho que de noite me assalta, deixando-me a guarda em baixo, de mãos vazias e braços pendurados
sonhei um dia que a vida seria simples, sempre julguei que fosse ser
persegue-me a complexidade, perseguem-me as correntes, o sufoco, o esgotar dos limites, a impossibilidade
e ainda assim, há que continuar a construir pontes
quarta-feira, 27 de junho de 2007
quarta-feira, 20 de junho de 2007
Murmúrios do mar
"Paga-me um café e conto-te
a minha vida"
o inverno avançava
nessa tarde em que te ouvi
assaltado por dores
o céu quebrava-se aos disparos
de uma criança muito assustada
que corria
o vento batia-lhe no rosto com violência
a infância inteira
disso me lembro
outra noite cortaste o sono da casa
com frio e medo
apagavas cigarros nas palmas das mãos
e os que te viam choravam
mas tu, não, nunca choraste
por amores que se perdem
os naufrágios são belos
sentimo-nos tão vivos entre as ilhas, acreditas?
E temos saudades desse mar
que derruba primeiro no nosso corpo
tudo o que seremos depois
"pago-te um café se me contares
o teu amor"
José Tolentino de Mendonça
domingo, 17 de junho de 2007
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
Eugénio de Andrade
.
Há uns dias que me ocorrem estas questões, sem que tenha alguma explicação objectiva:
para que serve o amor? sim, para que serve? objectivamente?
que se há-de fazer ao amor?
há espaço para o amor na vida de cada um de nós?
o amor é uma flor?
(agora que o amor morreu, haverá mais espaço...?!)
o que é o amor?
porque me negam o direito ao amor?
porque me negam?
porque é que o meu amor há-de ser uma patologia peçonhenta?
.
sábado, 16 de junho de 2007
quinta-feira, 14 de junho de 2007
não porque sejam feias, mas porque andam tristes
a infelicidade cava-lhes sulcos na cara
apaga-lhes a luz do sorriso
e os olhos andam murchos e secos
as pessoas andam feias na rua e não se percebe até onde vai a infelicidade
se lhes entrou nas casas
se se deitou nas suas camas
se se instalou no peito
e não há nada mais triste que um coração feio
quarta-feira, 13 de junho de 2007
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Queria ter colocado aqui a tocar I Surrender de David Sylvian. Sem sucesso.
Mantendo-me fiel à vontade inicial, e embora sem música, aqui fica um pedaço:
I surrender - David Sylvian, para degustar.
I opened up the pathway of the heart
The flowers died embittered from the start
That night I crossed the bridge of sighs and I surrendered
I looked back and glimpsed the outline of a boy
His life of sorrows now collapsing into joy
And tonight the stars are all aligned and I surrender
My mother cries beneath a southern sky and I surrender
Recording angels and the poets of the night
Bring back the trophies of the battles that we fight
Searchlights fill the open skies and I surrender
Outrageous cries of love have called me back
Derailed the trains of thought, demolished wayward tracks
You tell me I've no need to wonder why I just surrender
I stand too close to see the sleight of hand
How she found this child inside the frightened man
Tonight I'm learning how to fly and I surrender
I've travelled all this way for your embrace
Enraptured by the recognition on your face
Hold me now while my old life dies tonight and I surrender
My mother cries beneath the open skies and I surrender
An ancient evening just before the fall
The light in your eyes, the meaning of it all
Birds fly and fill the summer skies and I surrender
She throws the burning books into the sea
"Come find the meaning of the word inside of me"
It's alright the stars are all aligned and I surrender
My mother cries beneath the moonlit skies and I surrender
My body turns to ashes in her hands
The disappearing world of footprints in the sand
Tell me now that this love will never die and I'll surrender
My mother cries beneath the open skies and I surrender
quinta-feira, 7 de junho de 2007
terça-feira, 5 de junho de 2007
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A Flauta Vertebrada
A todos vocês,
que eu amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.
Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balanço.
Em todo caso
eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.
Memória!
Convoca aos salões do cérebro
um renque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila,
veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verta a alegria.
esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
na flauta de minhas próprias vértebras.
Vladimir Maiakovski
ps - não resisti a este...
domingo, 3 de junho de 2007
A razão do meu tamanho, esmagada pelo sol, pelo silêncio, pelas fronteiras.
Tenho as minhas pequenas coisas: os meus quadros, desenhos, esculturas, livros e pedras. Não tenho a essência, calor.
Tenho o meu trabalho, que já não me satisfaz como antes, talvez por ter percebido as limitações que julguei saber e conseguir ultrapassar. Dez anos depois era suposto já ter feito mudar a face desta terra, e no entanto, tudo permanece na mesma.
A face, a terra, a casa… adensou-se o ar, enegreceu-se a luz. Se não saio daqui morrerei mais cedo engasgada na minha frustração. Ou isso ou mais vale destruir tudo em volta e começar de novo. Começar-me a construir pessoa, tal e qual como eu sei que sou, e deixar o mundo entregue à sua sorte.
quinta-feira, 31 de maio de 2007
Riscos
O amor sente-se, como a uma impressão, uma certeza dentro de nós. Ele não se materializa em nada. Não se pode exigir que alguém prove que nos ama. Qualquer tentativa de nada servirá, pois o amor não se prova. Nenhuma prova material pode conferir a certeza do amor, senão essa impressão que se sente, dentro, da existência do amor.
quarta-feira, 30 de maio de 2007
...
Nas ruas, no suor das mãos amigas dos amigos, na pele dos espelhos...
desespero sorrido, carne de sonho público, montras enfeitadas de olhos...
...mas apodrecer.
Bolor a fingir de lua, árvores esquecidas do princípio do mundo...
"como estás, estás bem?", o telefone não toca! devorador de astros...
... mas apodrecer.
Sim, apodrecer
de pé e mecânico,
a rolar pelo mundo
nesta bola de vidro,
já sem olhos para aguçar peitos
e o sol a nascer todos os dias
no emprego burocrático de dar razão aos relògios,
cada vez mais necessários para as certidões da morte exata,
Sim, apodrecer ...
"...as mãos, a còlera, o frio, as pálpebras, o cabelo
a morte, as bandeiras, as lágrimas, a república, o sexo...
... mas apodrecer!
Sujar estrelas.
José Gomes Ferreira
quinta-feira, 24 de maio de 2007
Palavras punhais
1
Todos os dias os ministros dizem ao povo
como é difícil governar. Sem os ministros
O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.
Nem um pedaço de carvão sairia das minas
se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda
mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra
nunca mais haveria guerra. E atrever-se ia a nascer o sol
sem a autorização do Führer?
Não é nada provável e se o fosse
ele nasceria por certo fora do lugar.
2
E também difícil, ao que nos é dito,
dirigir uma fábrica. Sem o patrão
as paredes cairiam e as máquinas encher-se-iam de ferrugem.
Se algures fizessem um arado
ele nunca chegaria ao campo sem
as palavras avisadas do industrial aos camponeses: quem,
de outro modo, poderia falar-lhes na existência de arados? E que
seria da propriedade rural sem o proprietário rural?
Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde já havia batatas.
3
Se governar fosse fácil
não havia necessidade de espíritos tão esclarecidos como o do Führer.
Se o operário soubesse usar a sua máquina
e se o camponês soubesse distinguir um campo de uma forma para tortas
não haveria necessidade de patrões nem de proprietários.
E só porque toda a gente é tão estúpida
que há necessidade de alguns tão inteligentes.
4
Ou será que
governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira
são coisas que custam a aprender?
Bertold Brecht
terça-feira, 22 de maio de 2007
De Espanha...
domingo, 20 de maio de 2007
Vácuo
Saber que segredos se escondem, saber que pensamentos mais ímpios se levantam dentro, perceber as encruzilhadas em que me deixam.
quinta-feira, 17 de maio de 2007
Frasco vazio
Também é disso que se trata o amor: compreender, acompanhar, amparar, partilhar, apoiar.
Não me sinto infeliz, nem amargurada. Na verdade não sinto nada… de bom ou mau. Estou num limbo quente de Primavera.
Sinto-me sozinha, como se estivesse dentro de um frasco de vidro transparente, cristalino, e à distância do meu braço e mão, mas não a suficiente, estivesse todo o doce que alguém alguma vez pudesse querer.
O frasco não existe. O doce também não. São imagens. Eles são apenas uma metáfora… que tu jamais compreenderás.
Essas paredes que impedem que mergulhemos são feitas da tua incompreensão pelo meu mundo. O vazio, este vácuo que se criou entre as paredes e a pele, os valores que simplesmente construí e interiorizei ao longo desta breve existência, que não se deixam corromper e apagar pelo contraditório, como desejas.
Sempre vivi um pouco dos outros, do contágio da felicidade dos outros, daqueles que amo, e sempre me conheci a abdicar de algumas coisas que queria, por sentir que outras fariam a diferença para alguém e que essa felicidade me contagiaria. Essa felicidade contagiante, que vem de fora é essencial à minha sobrevivência, porque a interior é-me insuficiente, um pouco como a tua felicidade me é importante, razão pela qual entendo que se não és feliz com o que sou, nos devemos deixar ir por caminhos diferentes.
Ter alguém ao lado cujo amor é exigente ao ponto de não partilhar, não me fará nunca inteira. Acho que se morre todos os dias um pouco mais do que seria normal quando se vive como um objecto de adoração e posse exclusiva, um objecto material.
Deus…
Eu só gostava de te chapar estas coisas na cara, abrir-te a cabeça e enfia-las lá dentro! Fazer-te compreender!
quarta-feira, 16 de maio de 2007
nego-te...
não podes ter o que não é susceptível de posse
não podes ter o que existe e não sobrevive ao ímpeto e ao capricho
quando tecestes estes fios invisíveis, amarras inquebráveis,
quando aprisionaste o meu peito, me lançaste um feitiço…
não entendo
o teu umbigo
o centro do mundo
amor louco
não podes ter o que não compreendes
nego-te o meu amor por ti
Homelands, de Nitin Sawhney
[...]
Tudo o que quiser...
Tem que entender
Nas palmas da mão...
Se tiver porquê
Frágil nessa terra
Fácil derrubou
Quando jogou fora
Tudo acabou...
segunda-feira, 14 de maio de 2007
O Poeta, de Rainer Maria Rilke
Já te despedes de mim, Hora.
Teu golpe de asa é o meu açoite.
Só: que fazer da boca agora?
Que fazer do dia, da noite?
Sem paz, sem amor, sem teto,
Caminho pela vida afora.
Tudo aquilo em que ponho afecto
Fica mais rico e me devora.
Rainer Maria Rilke
sábado, 12 de maio de 2007
Da loucura miudinha
O melhor plano para nos afastarmos da orquestração auto-destrutiva é mantermo-nos ocupados com uma segunda paixão, material, tangível, moldável. Não deixar espaço à memória, não deixar portas abertas, não deixar a loucura entrar, não responder à provocação.
Não sucumbir à loucura de ouvir que o amor que tivemos uma certa vez foi falso. Ouvir que não acreditam em nós quando dizemos que amamos, mas nem todo o amor é possível, nem todo o amor é são.
Eu também não acreditaria.
Por vezes, para acreditarmos no absurdo, é preciso passar por ele.
Ou talvez esta certeza não seja mais que uma grande névoa que ainda encobre o que está para além do estado gasoso e imaleável dos dias, da erupção à flor de pele, da pele que arde com o sal, da dor fina e quase imperceptível.
quinta-feira, 10 de maio de 2007
Fragile Wind, de Nitin Sawhney
[...]
inside the dark deepest part of my mind through sunshine and rain idle dreams keep my sane
[...]
quarta-feira, 9 de maio de 2007
As velas da memória, de Ruy Belo
Há nos silvos que as manhãs me trazem
chaminés que se desmoronam:
são a infância e a praia os sonhos de partida
Abrir esse portão junto ao vento que a vida
aquém ou além desta me abre?
Em que outro mundo ouvi o rouxinol
tão leve que o voo lhe aumentava as asas?
Onde adiava ele a morte contra os dias
essa primeira morte?
Vinham núpcias sem conto na inconcebível voz
Que plenitude aquela: cantar
como quem não tivesse nenhum pensamento.
Quem me deixou de novo aqui sentado à sombra
deste mês de junho? Como te chamas tu
que me enfunas as velas da memória ventilando: «aquela vez...»?
Quando aonde foi em que país?
Que vento faz quebrar nas costas destes dias
as ondas de uma antiga música que ouvida
obriga a recuar a noite prometida
em círculos quebrados para além das dunas
fazendo regressar rebanhos de alegrias
abrindo em plena tarde um espaço ao amor?
Que morte vem matar a lábil curva da dor?
Que dor me faz doer de não ter mais que morrer?
E ouve-se o silêncio descer pelas vertentes da tarde
chegar à boca da noite e responder
Ruy Belo
Maleficios da digestão
Estou que nem um esparguete cozido para além do ponto al dente e nem com uma sesta à espanhola a coisa vai lá.
domingo, 6 de maio de 2007
Dor
Apagar esta dor interior que se agarra como as carraças.
Caminhar até doer, por fim o cansaço e o sono, o sangue.
Hoje lancei-me uma vez mais pelas dunas. Percorri quilómetros perdida no desespero da ordem, procurando por entre o silêncio do vento e do mar... procurando.
Pensei que adormeceria, por fim, e me esqueceria. Amanhã acordaria de um pesadelo.
Assim fosse.
sábado, 5 de maio de 2007
A matéria das palavras, de Ana Hatherly
Estamos aqui. Interrogamos símbolos persistentes.
É a hora do infinito desacerto-acerto.
O vulto da nossa singularidade viaja por palavras
matéria insensível de um poder esquivo.
Confissões discordantes pavimentam a nossa hesitação.
Há uma embriaguês de luto em nossos actos-chaves.
Aspiramos à alta liberdade
um bem sempre suspenso que nos crucifica.
Cheios de ávidas esperanças sobrevoamos
e depois mergulhamos nessa outra esfera imaginária.
Com arriscada atenção aspiramos à ditosa notícia de uma
perfeição
especialista em fracassos.
Estrangeiros sempre
agudamente colhemos os frutos discordantes.
Ana Hatherly
domingo, 29 de abril de 2007
Crisálida
acho que é preciso tempo
latitude
para aprender a viver só
talvez porque só se aprenda a viver só quando se deixa de sentir os laivos da solidão inconvicta para sentir o vazio no lugar da dor
e se contraria a vontade de querer substituir a dor por algo anestésico, desprovido de verdadeiro sentido,
quando se deixa de mascarar a solidão
criar ao invés de substituir
talvez esse seja o momento em que descemos à terra
serenamos
abrimos sulcos e aguardamos pela semente e pela flor
quarta-feira, 25 de abril de 2007
O Amor, de Vladimir Maiakovski
Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça
numa alameda do zôo,
sorridente,
tal como agora está
no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela,
que, por certo, hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o exame
de mil nadas,
que dilaceravam o coração.
Então,
de todo amor não terminado
seremos pagos
em inumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo
de casamentos,
concupiscência,
salários.
Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
- Camaradas!
Atenta se volte a terra inteira.
Para viver
livre dos nichos das casas.
Para que doravante
a família seja
o pai,
pelo menos o Universo,
a mãe,
pelo menos a Terra.
Vladimir Maiakovski (1893-1930)
domingo, 22 de abril de 2007
Fotografia
Como é que se pode amar uma pessoa que nos desilude?
Eu nunca fui capaz de te fazer feliz, nunca.
Não fiz. Creio que não serei.
quinta-feira, 19 de abril de 2007
Caminho sem pés e sem sonhos
Daniel Faria
Caminho sem pés e sem sonhos
só com a respiração e a cadência
da muda passagem dos sopros
caminho como um remo que se afunda.
Os redemoinhos sorvem as nuvens e os peixes
para que a elevação e a profundidade se conjuguem.
Avanço sem jugo e ando longe
de caminhar sobre as águas do céu.
quarta-feira, 18 de abril de 2007
Alberto Beuttenmuller
entre o que é aquém e além de mim
não sou lá
nem sou aqui
quando penso ser, estou
quando penso estar, sou
dois seres me habitam
com distintos pareceres
em meio a tais haveres, existo.
a vida não tem sentido algum
sendo eu dois e nenhum
nem muito além
nem muito aquém
sou somente
ninguém de mim.
Alberto Beuttenmuller