segunda-feira, 21 de março de 2011

Cantigas de amigo ao pinheiro

O peito do meu amor
Parece um só, mas não é:
São duas pinhinhas verdes
Nascidas no mesmo pé.

Ó pinheirinho da ermida,
Dois galhos e um tronco escuro,
És o missal do meu bem:
Firme ser por ti lhe juro.

Tenho uma arca de pinho
Com dois corações ao centro,
Toda cheia de mentiras
Das cartas que lá estão dentro.

A minha burra já sabe
O carreiro do pinhal:
Levou-me singela um dia
E trouxe-me tal e qual.

Perguntei à pinha seca
Que me diria queimada:
Desfez-se em fonas de fogo;
Quem ama é sempre enganada.

O meu bem é serrador,
Deu-me uma saia de folhos ;
Mas serra sempre de baixo:
Cai-lhe o farelo nos olhos.

Ó pinha do verde ramo,
De olhos tenrinhos, fechados:
Não os abras, que os abertos
Chamam-se desenganados.

Nasceu-me um pinheiro à porta
Quando tive o meu menino:
Um cresceu, outro casou-se…
Já sou avó… É destino.

Vitorino Nemésio