domingo, 29 de abril de 2007

Crisálida


acho que é preciso tempo
latitude
para aprender a viver só

talvez porque só se aprenda a viver só quando se deixa de sentir os laivos da solidão inconvicta para sentir o vazio no lugar da dor
e se contraria a vontade de querer substituir a dor por algo anestésico, desprovido de verdadeiro sentido,
quando se deixa de mascarar a solidão

criar ao invés de substituir

talvez esse seja o momento em que descemos à terra
serenamos
abrimos sulcos e aguardamos pela semente e pela flor

quarta-feira, 25 de abril de 2007

O Amor, de Vladimir Maiakovski




Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça
numa alameda do zôo,
sorridente,
tal como agora está
no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela,
que, por certo, hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o exame
de mil nadas,
que dilaceravam o coração.
Então,
de todo amor não terminado
seremos pagos
em inumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo
de casamentos,
concupiscência,
salários.
Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
- Camaradas!
Atenta se volte a terra inteira.
Para viver
livre dos nichos das casas.
Para que doravante
a família seja
o pai,
pelo menos o Universo,
a mãe,
pelo menos a Terra.

Vladimir Maiakovski (1893-1930)

domingo, 22 de abril de 2007

Fotografia

Sempre tiveste um ar infeliz nas fotografias. Os teus lábios cerrados, arqueados, amargurados, desconsolados, o teu olhar cansado, desiludido. Tu nunca me deste um sorriso feliz para uma fotografia…
Como é que se pode amar uma pessoa que nos desilude?
Eu nunca fui capaz de te fazer feliz, nunca.
Não fiz. Creio que não serei.

quinta-feira, 19 de abril de 2007



Caminho sem pés e sem sonhos
Daniel Faria

Caminho sem pés e sem sonhos
só com a respiração e a cadência
da muda passagem dos sopros
caminho como um remo que se afunda.

Os redemoinhos sorvem as nuvens e os peixes
para que a elevação e a profundidade se conjuguem.

Avanço sem jugo e ando longe
de caminhar sobre as águas do céu.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Alberto Beuttenmuller

vivo de permeio
entre o que é aquém e além de mim
não sou lá
nem sou aqui
quando penso ser, estou
quando penso estar, sou
dois seres me habitam
com distintos pareceres
em meio a tais haveres, existo.
a vida não tem sentido algum
sendo eu dois e nenhum
nem muito além
nem muito aquém
sou somente
ninguém de mim.

Alberto Beuttenmuller


segunda-feira, 16 de abril de 2007

1 Risco


Não procuro a beleza, a perfeição. Não pretendo revolucionar o mundo. Quero apenas que não me chateiem, que me deixem com os meus pequenos grãos de areia e a água salgada do mar.